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voltarComércio Exterior: Tributos prejudicam as exportadoras
STF entende que o crédito-prêmio do IPI deixou de vigorar em 1990, encerrando uma disputa judicial cuja decisão beneficia o governo federal em quase R$ 300 bilhões diante de empresas que exportam produtos
As empresas exportadoras sofreram na quinta-feira passada, dia 14, uma derrota para a União em uma batalha que se arrastava há vários anos. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o crédito-prêmio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) deixou de vigorar em outubro de 1990. O benefício fiscal foi criado em 1969 para estimular o comércio exterior e era uma disputa judicial antiga entre o governo e empresários. A União considerava o benefício extinto desde 1983; já para os exportadores ele ainda estaria em vigor. O governo federal ganhou uma disputa de quase R$ 300 bilhões com exportadores.
Todos os ministros acompanharam o voto do relator, Ricardo Lewandowski, que entendeu que o benefício deixou de valer desde 1990. Segundo ele, um decreto de 1981, que restabeleceu o incentivo fiscal sem prazo de revogação, não tinha validade. Na avaliação de Lewandowski, a Constituição de 1988 anulou os efeitos do decreto porque previa a extinção, em dois anos, de todos os incentivos fiscais que beneficiassem setores isolados da economia caso não fosse editada uma nova lei.
No entendimento dele, o crédito-prêmio se encaixava nesse perfil porque os decretos que criaram o incentivo faziam menção direta a produtos manufaturados, o que, na prática, limitava o benefício à indústria e ao setor exportador. De acordo com a presidente do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, Alice Grecchi, a votação do Supremo Tribunal Federal supreende e poderá ter sérios reflexos sobre o segmento de exportações no Rio Grande do Sul. “O STF, em um processo relâmpago, ao contrário do que ocorre normalmente, julgou o processo considerando o crédito-prêmio extinto. Essa postura causa estranheza”, destaca.
O surgimento do crédito-prêmio no Brasil seguiu uma tendência mundial da época, aplicada em países da Europa e nos Estados Unidos, Argentina e outros que consistia na devolução parcial do custo dos tributos indiretos que se acumulam no preço dos bens manufaturados destinados à exportação. Como diz o ditado, “imposto não é exportado”, essa é uma maneira de compensar os empresários do setor por valores pagos no início da cadeia produtiva.
A compensação dos créditos virou disputa judicial entre União e contribuintes, com distintas ações tanto por parte do STF quanto do Superior Tribunal de Justiça. Em 2004, após 15 anos de jurisprudência em favor dos exportadores, houve uma reviravolta: o STJ foi favorável à União, considerando o benefício realmente extinto em 1983. Entretanto, essa mudança foi revertida três anos depois, em 2007, com o reconhecimento de que não fora extinto. A validade do crédito ficou mantida pelo STJ, porém apenas até 1990. Várias empresas conseguiram, na Justiça, manter a compensação dos créditos. Segundo estimativas da Receita Federal, a dívida com o governo, em quase 20 anos, está em mais ‘de R$ 280 bilhões.
Reforma tributária possibilitará melhorias
O Brasil caracteriza-se por uma elevada carga de impostos. Consequentemente, há uma política tributária de desoneração para exportações. Ao longo dos últimos anos, entretanto, os impostos e taxas continuaram crescendo e afetando as empresas do ramo de exportações, mesmo com os benefícios que os governos deram ao setor. Segundo Cezar Luiz Muller, coordenador do Conselho de Relações e Comércio Exterior da Federação da Indústria do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), no lugar de restitutir créditos, os governos não deveriam cobrá-los. “É incorreta a postura de cobrar insumos que dão origem à exportação.”
No Estado, a desoneração do ICMS ocorre lentamente. Segundo Muller, grande parte das exportadoras acumulam esses créditos, assim como ocorre com os referentes ao PIS e Cofins no âmbito federal. “Tanto governos estaduais quanto o federal levam um grande tempo para retornar esses créditos, acabam descapitalizando as exportadoras. Nesse contexto, o Brasil como exportador perde competitividade.”
Quanto mais industrializado o produto, maior a carga tributária e menos competitiva se torna a indústria brasileira. Com elevados custos refletindo tanto na legislação trabalhista quanto em termos de impostos cumulativos, os valores das exportações acabam sentindo os reflexos. Quando o exportador compra matéria-prima, tem o ICMS, PIS e Cofins. Quando exporta, tem direito a restituir esse crédito. “Esses impostos não são devolvidos. O Estado é um caso de longa demora.”
Ele sugere a criação de um mecanismo que prevê que a matéria-prima já venha sem o imposto quando forem feitas compras na exportação. A medida é aplicada em casos especiais para empresas eminentemente exportadoras. Por isso, esclarece Muller, um modelo de reforma tributária que simplifique a sistemática traria melhorias também ao setor. Se o Rio Grande do Sul como um todo restituirá o crédito tributário para uma empresa, ele não precisaria cobrar. Isso traz aumento de custo para o exportador e diminui a sua competitividade.
Medida terá forte impacto sobre gaúchas
Embora as centenas de decisões judiciais conferindo o direito de ressarcimento aos contribuintes, muitos empresários ainda não tinham buscado as respectivas compensações que mereceriam. Eles confiaram na jurisprudência e terão prejuízos com a decisão do STF da semana passada. Os empresários fizeram contratações e negócios com base em valores que teriam direito a receber, sendo que agora eles tornaram-se inválidos.
Para alguns tributaristas, a mentalidade conservadora dos empreendedores gaúchos é um dos fatores que fez com que muitos não recorressem aos tribunais e reivindicassem os benefícios. Essas empresas serão agora duramente afetadas. A presidente do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, Alice Grecchi, teme que a decisão do Supremo ocasione o fechamento de várias empresas, em especial no Estado. As fábricas do setor coureiro-calçadista costumam empregar em média mil funcionários. O impacto poderá ser sentido também em outras áreas, como a indústria de cerâmica, têxtil, autopeças e demais exportadoras, fechando empresas e reduzindo postos de trabalho.
Alice aguarda um posicionamento do governo federal para saber o que ocorrerá com o setor. No início do mês, o Congresso Nacional incluiu na medida provisória que criou o programa Minha Casa, Minha Vida uma emenda sobre a questão do crédito-prêmio. A emenda estabelece que a compensação é válida até 2002. Dessa forma, a dívida dos empresários só seria contabilizada de 2003 em diante.
Aprovada pelo Congresso, a extensão do benefício consta na medida provisória. Cabe agora ao presidente Lula sancionar ou vetar a emenda. No entanto, com a decisão do Supremo, a emenda será declarada inconstitucional caso seja sancionada. “O direito deveria ser mantido para todas as exportadoras que estão em batalha judicial. Desde 1983 esse direito não é pago”, afirma. Praticamente todas as empresas exportadoras serão impactadas caso a decisão do STF não seja revertida.
Na opinião do vice-presidente da Fundação Escola Superior de Direito Tributário (Fesdt), Fábio Canazaro, o cerne da questão sobre o ressarcimento dos créditos-prêmio é se há tratamento discriminatório em relação ao exportador. Para ele, a Constituição Federal assegura os direitos fundamentais, aplicáveis na relação tributária. O Fisco, destaca, não pode restringir esses direitos.
A questão das exportações e a proteção voltada à desoneração estão asseguradas na Constituição. “O Fisco não pode restringir essas desonerações, mas ele tem problemas de caixa e está correndo atrás de superávit arrecadatório”, diz.
Segundo Canazaro, essas restrições ocorrem de três formas, seja pela demora na devolução dos créditos, no ressarcimento sem correção ou em problemas envolvendo parcelamentos de débitos.
Outro ponto problemático diz respeito à impossibilidade de compensação dos créditos de exportação com os créditos previdenciários. O empresário, por exemplo, possui crédito de exportação, porém o Fisco não devolve. Ele precisa pagar a contribuição previdenciária à Receita, embora trate-se do mesmo órgão. Mesmo com o pedido para compensar zerando o débito, a prática da Receita é não aceitar.
Canazaro diz que todos esses problemas ocorrem em função da legislação densa e complexa. Por isso, surgem diversas interpretações e cada um vê da forma que mais lhe convém. Essa complexidade gera problemas de avaliação até mesmo para o Judiciário. Além disso, ele considera que o grande número de regras prejudica. “São normas infralegais, o que gera ruptura no sistema e complica mais ainda.” Canazaro destaca que os empresários têm que garantir a realização dos seus direitos e buscar o apoio do contador e de advogados, recorrendo ao Poder Judiciário para resolver possíveis conflitos e garantir os benefícios.